Evidências científicas cada vez mais robustas e promissoras podem auxiliar arquitetos e demais projetistas que busquem pelo design inclusivo, levando em consideração as mentes diversas, ou seja, elaborar ambientes construídos que dialoguem com a neurodiversidade. A existência da neurodiversidade sempre esteve presente na humanidade. O termo abrange as pessoas com as mais diversas condições neurológicas e foi criado pela socióloga Judy Singer, em 1999.
Usuários do ambiente com Transtorno do Espectro Autista (TEA), Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), dislexia, quadros demência dentre outras condições neurológicos são considerados neurodivergentes por não se enquadrarem nos padrões de funcionamentos cognitivos identificados em grande parte da humanidade.
O imprescindível para todo projetista é reconhecer que o cérebro de algumas pessoas processa as informações e funciona de uma forma diferente do que é considerado normal. Vale considerar que tal diferença não significa necessariamente algo negativo.
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https://www.archdaily.com.br/br/992875/o-que-e-desenho-universal?ad_source=search&ad_medium=projects_tab&ad_source=search&ad_medium=search_result_allNeste contexto, a neuroarquitetura passa a atuar com decisões de projetos mais assertivas, capazes de fornecer caminhos espaciais adequadamente sinalizados e sensorialmente dinamizados em prol do deslocamento, do bem estar e da qualidade das experiências vivenciadas no espaço construído para a para a maioria dos ocupantes.
O wayfinding trata de uma atividade multissensorial na maioria das vezes e está diretamente vinculado ao processo de orientação e navegação do usuário em ambientes construídos. É apoiado por imagens mentais embasadas em sensações e em memórias pré-vivenciadas pela cultura, simbolismo e história de cada pessoa.
Durante o projeto, o wayfinding do ocupante pode ser facilmente afetado pela:
I) Capacidade de ver, ouvir ou sentir através do toque;
II) Senso de direção e propriocepção (capacidade sensorial de reconhecer a localização espacial do corpo);
III) Barreiras linguísticas ou de comunicação;
IV) Diferenças sensoriais e/ou de processamento de informações, incluindo memória de curto prazo (tipo de função executiva que armazena e retém temporariamente a informação enquanto uma determinada tarefa está sendo realizada).
Muitas pessoas têm algumas diferenças sensoriais que afetam, por exemplo, acuidade visual, audição, equilíbrio e propriocepção, de modo que os sistemas de orientação que dependem de apenas um único sentido, como sinalização visual, podem não atender às necessidades de alguns usuários.
Algumas pessoas possuem características relacionadas a informações, processos sequenciais, identificação de números e palavras e podem confiar mais em pistas visuais, símbolos e cores ao encontrar o caminho.
Durante o envelhecimento, especialmente em quadros demências - como a Doença de Alzheimer (DA) e Demência Vascular Cerebral (DVC) - é cientificamente reconhecido que a acuidade sensorial, como visão, olfato e audição, sofrem modificações quando comparadas com as primeiras etapas de vida. A precisão em detectar e processar as informações ambientais tornam-se limitantes quando o wayfinding espacial é projetado de forma falha.
Um declínio na capacidade de orientação pode ser um sintoma precoce de demência, em parte atribuído a uma perda na percepção de objetos e espaços, redução na memória, redução nas habilidades de resolução de problemas e desorientação.
Quando o edifício conter uma recepção ou ponto de informação ao visitante, uma mudança distinta de cor ou contraste pode tornar essa área perceptível e visível para reduzir qualquer confusão na entrada. No entanto, um forte contraste visual pode comprometer o acesso de alguns grupos, como pessoas com demência e Parkinson, que podem “congelar” o movimento de marcha ao encontrar uma mudança de cor no piso. Devido ao comprometimento cognitivo que eles detém, tal contraste é interpretado como uma barreira ou mudança de nível.
Além disso, o idioma é uma pista de orientação e nem todos estão familiarizados com o inglês. Algumas configurações precisam atender mais do que o inglês e podem precisar de uma hierarquia gráfica consistente de primeiro, segundo e outros idiomas. A consistência na carta gráfica para sinalização entre o uso de diferentes idiomas, alfabetos e scripts pode ser útil para todos (por exemplo, hindi, árabe, cirílico, chinês).
Ao projetar o wayfinding, o seguinte deve ser analisado:
I) oportunidade de antecipação (aliviando a ansiedade que dificulta o processo);
II) carga sensorial, ou seja, evitar sobrecarga através de “ruídos” visuais e audíveis desnecessários;
III) utilização de iluminação adequada para auxiliar a navegação;
IV) layouts que são lógicos, com linhas de visão claras para auxiliar na auto-orientação;
V) familiaridade;
VI) sinalização e encaixe tátil em um modelo previamente compreendido pelo público neurodiverso.
Outros auxílios úteis de localização devem ser fornecidos. Codificação de cores para pisos ou amenidades; diferentes tipos de superfície de piso para distinguir rotas de circulação de destinos e uso consistente de símbolos em todo o portfólio da edificação. No entanto, é necessário cautela para equilibrar a necessidade de informações e o número de escolhas para não ocasionar estresse ou ansiedade.
Vale constar que o wayfinding planejado com iluminação fluorescente ou com LED de pouca qualidade podem apresentar o fenômeno da cintilação luminosa - também conhecido como “pisca-pisca” ou “efeito flicker”. A cintilação excessiva leva a dor de cabeça e fadiga ocular. Olhos hipersensíveis, por exemplo, registram esses pulsos como uma luz estroboscópica. Embora a cintilação não seja perceptível para todos os neurodiversos, ela pode criar uma distração para aqueles que a veem, como os neurodivergentes com TEA.
Portanto, preocupar-se na elaboração do wayfinding “neurodiversificado” proporciona a inclusão participativa de múltiplas condições neurológicas. Elas passam a ser capazes de demonstrar que a troca entre as diferenças enriquece a capacidade de um grupo de compartilhar recursos. Ademais, possibilita fortalecer identidades individuais e de possibilitar experienciais qualitativas no espaço construído, bem como ações compartilhadas e, talvez, intergeracionais.
O espaço para a neurodiversidade oferece suporte a uma infinidade de perspectivas, agregando valor a qualquer ambiente construído que acredite no potencial da neuroarquitetura.